Monthly Archives: Junho 2015

Porto Sentido

Fui ao Porto e para não quebrar a tradição, voltei a apaixonar-me. Rendi-me ao S.João. Entrei no espírito e senti-me em casa. A magia dos balões a preencherem o céu, a folia das pessoas, as cores, os martelinhos e a felicidade a espreitar em casa esquina. A simplicidade dos pequenos bairros, a receção das pessoas que nos tratam como se fossemos vizinhos, o genuíno dos palavrões e a sensação de nos revivermos numa portugalidade que é tão bonita e tão pura. Uma noite no ano em que não há crise, nem desemprego e em que milhares de pessoas se unem para celebrar tudo o que ainda temos de bom. Uma noite em que há esperança. Esperança no verdadeiro sentido da palavra. Aquela que não nos é imposta mas que simplesmente nasce por entre aquele turbilhão de sensações boas. Uma noite em que nos sentimos mais próximos dos outros e também de nós mesmos. Volto, mas já com vontade de agendar a próxima ida, porque nada é mais gratificante do que quando encontramos uma casa longe da nossa casa. Volto mas de coração cheio e já saudosa do meu querido, Porto Sentido.

Ser humano

O que é o melhor da vida? Não acredito que alguém ouse numa única resposta. Impensável imaginar algum tipo de consenso universal. Talvez alguns empates possíveis, mas não mais do que isso. Eu arriscaria que se nos fizéssemos todos os dias esta pergunta, naquele estranho momento antes de fecharmos os olhos na almofada, tenderíamos a uma resposta diferente todos os dias. Os menos preguiçosos, claro. Hoje a minha resposta seria: as surpresas. Não falo em nada megalómano, nada ao estilo fogo-de-artifício, nada de multidões nem histerias. Surpresas daquelas que não nos cansam, nem nos obrigam a estados de absoluto contentamento. Assumo que as minhas favoritas são as que envolvem ser surpreendido por pessoas, verdadeiramente surpreendido. Pequenos momentos que alteram a maneira como até então olhávamos para alguém. Momentos em que percebemos o porquê de essa pessoa estar ali, naquele instante, ao nosso lado. Uma gargalhada que se partilha exatamente no mesmo segundo e com a mesma intensidade. Uma pequena confissão que se conta de forma desajeitada mas sincera. Uma conversa que vinga sem nenhum tipo de esforço, de artifício ou preparação prévia. Quando todos os dias o mundo nos quer fazer crer que está cheio de pessoas más, percebo a urgência de encontrarmos momentos como este. Não acredito que me tenha tornado menos exigente com os que me rodeiam, mas estou bastante mais desperta para estes acontecimentos. Para alguns a surpresa é como um sobressalto ou algo que tende em perturbar, para mim é um prazer inesperado e que só pode servir para reforçar a esperança na Humanidade. Há muito que se lhe diga nisto de ser humano.

É a vida

Hoje percebo o quão mais fácil seria viver, acreditando piamente que os nossos pés caminham por trilhos já traçados. O quão absurdamente tranquilizador seria não existirem decisões erradas porque todas seriam as que estavam pré-estabelecidas de serem tomadas. Haver sempre um caminho certo por ser apenas um. O Miguel Esteves Cardoso diz que o amor é fodido mas a verdade é que é a vida em si, no que ela tem de mais áspero e rude que é realmente fodida. Mas nós somos todos poetas e gostamos de crer que é isso que lhe dá o gosto, que é isso que lhe amacia as engrenagens e que faz o mundo girar. Tretas que vamos mastigando em dose diária, de forma perene e enfadada, com o desejo de que um dia lhe podermos anular o paladar e evitar excruciantes azias que nos beliscam por dentro. Nós somos verdadeiramente bons na procrastinação, no evitar o inevitável e no viver na bolha de um amanhã que será sempre melhor. Rezamos todos a alguém, crentes e descrentes e de forma levianamente egoísta ou simplesmente ingénua, certos de que esse alguém, deterá o poder para nos salvar, que será ele a conseguir inverter o processo. Assim vamos vivendo, ou apenas existindo, guerreiros de batalhas perdidas, idealizando um mundo justo quando todos os dias vemos a deslealdade entre os dois corpos da balança.

A languidez do tempo

Há momentos em que o tempo se deita em nós como um pesado manto que lentamente nos decide engolir. Cai sobre nós, tolda-nos a visão e impede os nossos membros de ousar qualquer tipo de movimento. Tudo fica escuro e a ideia de uma luz no fundo do túnel é tão ténue como a precisão de uma memória longínqua. O silêncio não apazigua nem tranquiliza. Preenche cada ínfimo recanto e esmaga-nos. Às vezes sonho com a extravagância de ser detentora de uma máquina do tempo. Pegar nas rédeas das minhas vontades e puder cavalgar por passados que sempre me inspiraram, até ser seguro regressar para um futuro que me possa acolher. Mas por agora a espera vai-se espraiando infinitamente, serpenteando numa lentidão pegajosa que se cola e que arranha a pele. Não há música quando o tempo se interrompe assim. Os ponteiros vivem enclausurados e renegados a uma inércia melancólica. A vida acontece mas sem acontecimentos e o filme desenrola-se a preto e branco, ausente e brutalmente aborrecido. Há quem veja o tempo como detentor de poder curativos mas eu sei que é apenas um paliativo que se desfaz debaixo da língua. Estes são os dias em que o tempo não passa e em que vamos derretendo como se o mercúrio quisesse escapar dos termómetros.